sábado, 14 de maio de 2011

ORIGENS DO FLAMENCO - TEXTO 2

Fonte: Programa da turnê brasileira de Eva Yerbabuena


      Quando o cantaor lança um grito, um Ay! dilacerante que rompe a noite; depois, quando a bailaora aperta as ancas para vibrar o solo com seus saltos, o flamenco aparece como um desabafo; seja ele da mais contida ou da mais viva dor.  Naquele momento o espectador, seja ele andaluz ou não, não precisa de nenhuma explicação. Ele compreende, instintivamente , o que é o flamenco. Mas quando quer conhecer as origens do flamenco ou as diferentes acepções da palavra, não obtém uma resposta definitiva. O flamenco tem seus mistérios...É certo, porém, que o flamenco permanece uma música singular, ligada a curtos poemas, as coplas, freqüentemente fascinantes, sobre a qual enxertou-se a dança, (el baile).O canto (el cante),a música (el toque) e a dança (el baile) são indissociáveis. Estas é uma das raras certezas. Há ima outra, a de seu local de nascimento. A pátria do Flamenco é a Baixa Andaluzia e seu berço o triângulo formado por Sevilha - Jerez - Cadiz.
     O problema se torna mais complexo quando se aborda a etimologia do Flamenco. A palavra espanhola "flamenco" significa "flamengo". Seu estudo deu lugar a numerosas interpretações. O viajante inglês George Borrow, que viveu perto dos ciganos da Andaluzia, desde 1836, menciona em seu livro Los Zincali que se designa os ciganos sob o nome de novos castelhanos , de germanos ou ainda de "flamencos". Alguns adiantam que a palavra "flamenco" é um derivado da expressão árabe "fellahmengu" que significa "camponês em fuga", devido à proscrição dos ciganos (que aconteceu paralelamente à perseguição dos mouros em 1570, empreendida por Felipe II de Espanha). Outros consideraram que a palavra "flamenco" poderia ter sido importada da Flandres no século XIV por alguns "flamengos" da corte de Carlos V. O termo era compreendido então como um insulto , podendo ser aplicado aos ciganos.
       Viria ainda a palavra "flamenco" de "flameante" (flamejante) ou designaria - como hoje- os fanfarrões? Não esqueçamos, enfim, a versão de Francisco Rodrigues Marin que vê uma correspondência simbólica entre o flamingo rosa (igualmente flamenco), que vivia nas costas do Mediterrâneo e os andaluzes que ocupavam as tabernas , os locais de festa, e cuja silhueta lembrava a do palmípede.  Não bastasse a palavra "flamenco" dar margem a divergências, a própria história do Flamenco e de suas origens suscita igualmente numerosas hipóteses e polêmicas.
   
Cigano e/ou andaluz...
     
      Seria o flamenco criação exclusiva dos ciganos ? Se definirmos o flamenco como cigano , havemos de convir tratar-se de ciganos tomados sedentários e estabelecidos na Andaluzia. De onde vinham eles ? Do vale do Hindo onde, empurrados pelas tropas de Tamerião, teriam - a partir da Índia - ganhado a Europa pelo Egito, a África do Norte ou os Balcãs. O grupo conduzido por João do Egito Menor penetrou nas terras de Afonso V de Aragão, que deu-lhes o direito de lá se instalarem livremente(1425).Durante todo o século XV os ciganos conheceram um período de paz, que lhes permitiu entrar em sintonia com o folclore andaluz. Desse encontro nascerá o flamenco, canto profundo marcado pela melancolia, o faltalismo e o sentimento trágico da vida. De alguma forma, os ciganos fizeram emergir toda a riqueza artística acumulada durante séculos na Andaluzia, que viu se sucederem fenícios, romanos, bizantinos, visigodos, e coabitarem cristãos, judeus e muçulmanos.Os mouros predominaram na espanha de 711 a 1492, até a sua expulsão pelo rei Ferdinando e a rainha Isabel.
       A verdade hiastórica encontra-se a meio caminho, entre os que consideram que os ciganos estão na origem das formas primitivas do flamenco (encontramos aqui uma mistura musical de elementos orientais, judaicos , berberes e gregorianos, sendo a influência árabe notável principalemente nas técnicas inarmônicas, utilizando intervalos menores que o semitom)  e os defendores ferrenhos de um "andaluzismo". Jean Marie Lemogodeuc e Francisco Moyano, autores de um estudo sobre o Flamenco (coleção Que sais-je?, muito popular na França) sustentam que houve "uma lenta transição entre o substrato folclórico andaluz - constituído de romances , canções e danças populares, que originaram os corridos ou romances gitanos - e as tonás gitanes de canto profundo".
    Pode-se, portanto, considerar uma evolução progressiva e insensível dos ritmos e canções populares andaluzes ruma a uma "ciganização".
    Ao redigir em 1783 as regras para conter e castigar a errãncia e outros malfeitos daqueles chamados ciganos ,Carlos III coloca o cigano numa situação jurídica de igualdade com os espanhóis e vai tornar possível a emergência do canto e da dança flamenco. No início do século XVIII ainda não se encontram sinais da palavra flamenco como designativa de uma gênero musical, a as duas danças mais populares da época são fandango e a seguidilla - que dançadas no teatro por profissionais , serão enobrecidas pela "Escuela Bolera' ( a escola do balé clássico). A dança "flamenco", tal como hoje é praticada nasceu no século XIX.


El cante


   O primeiro nome conhecido de cantaor profissional é o de Tio Luis es de la Juliana. Há ainda El Planeta ( criador da seguirya)e seu discípulo El Filo. Eles viveram no início do século XIX e são todos ciganos.
    A primeira referência àquilo que pode ser considerado como do flamenco encontra-se na obra Escenas Andaluzas (cenas andaluzas) de serafin Estebanez Calderón, publicada em 1847: no capítulo "Dança em Triana" o autor enumera nomes precisos de cantes e de cantaores. Após a primeira geração do flamenco, de 1800 a 1860, vem a idade de ouro, de 1860 a 1910. Os primeiros cafés de cante ou cafés cantantes (cafés concertos) são abertos em Sevilha a partir de 1850: Los Lombardos, el Arenal, las Friperas, o Café de Variedades...Mas é principalmente com a abertura de "El Burrero" em 1880 ( que se tornará "Café del Burrero") e do "Café de Silverio" que o cante entra em plena atividade. Constata-se aí que os artistas "payos" (os não ciganos) são duas vezes mais numerosos que os ciganos. Os cafés cantantes teriam pois permitido aproximar as tradições andaluzas (malagueñas, Verdiales, Granaínas, Tarantas) e cigana (Siguiryas, Soleares, Martinetes, Bulerias, Tangos...). O cantaor permaneceu durante muito tempo o personagem principal mas, com o tempo o guitarrista assumiu crescente importância. O nível geral melhorou e os guitarristas inventaram novas técnicas.
      O desenvolvimento dos cafés cantantes teria desencadeado um transtorno irreversível na história do Flamenco. A partir daí ele deixa de ser uma exclusividade cigana; sai do universo privado e familiar para se transformar em espetáculo lucrativo. Abre-se assim a terceira fase do flamenco e sua teatralização.
      
 El baile


       No início do século XX artistas como Manuel de Falla ou Ramón Gomez de la Sema se inquietam: estaria o flamenco em decadência? Para manter vivas suas fontes criam um concurso de Cante Jondo, com a intenção de dar preferência aos "Cantaores que evitam as fiorituras abusivas". Ele acontece em 13 de junho de 1922 na praça de los Ajibes, em Alhambra. Acima do prêmio outorgado a Niño Caracol, o que importa é a tomada de consciência pelos intelectuais da época - como Federico Garcia Lorca - da dignidade e da riqueza do Flamenco.
        Por outro lado o espetáculo teatral assume uma importância bem particular já que ele fará o flamenco conhecido mundo afora. Não se trata mais somente de tablao,mas de cenas de teatro. 
        Em 1929, Antonio Mercé, "La Argentinita", cria a primeira companhia de balé espanhol, que estréia na Opéra Comique de Paris. Vicente Escudero apresenta , também na capital francesa, suas primeiras criações e redige seu Decálogo da Dança Flamenca (1949). É sem dúvida nesse momento que, no inconsciente coletivo, o baile(a dança) a que atualmente se associa o termo flamenco) suplanta o cante. O baile é o prolongamento do cante. Dele emana e se alimenta. A flama é animada pela voz do cantaor e, segundo Jean Cocteau, "o dançarino se consume nesta chama". a osmose é tal que o nome das danças é o mesmo que o dos cantos. Como o cante, o baile é leve nas alegrias, bulerias, rumba e forte, dramático nas soleares, seguiriyas e martinetes. E é a tradição: como o cantaor, o bailaor passa de um estado de tensão dramática a um estado de calma.Por exemplo: a dança que acompanha os soleares vê-se atenuada e adocicada, no momento de seu paroxismo, por uma passagem a um ritmo de bulerias ou a outros ritmos feitos no mesmo estilo.
        Ao estrear no teatro, o flamenco viveu um período de transição, onde por vezes a imagem exótica prevalece sobre a autenticidade. Mas não houve erosão do gênero, a após algumas indecisões, a arte do flamenco encontrou em grandes artistas (La Argentina, Carmen Amaya, Antonio Ruiz Soler, La Chunga, El Farruco, ou ainda Antonio Gades e Cristina Hoyos) sua força de emoção e de paixão.
        Os viajantes do séuclo XIX já observavam que é no domínio da dança, dos ritmos e da harmonia que a arte flamenca utiliza os elementos da arte sacra da Índia. Por suas atitudes, pelos símbolos mágicos desenhados por seus braços e seus dedos, a bailaora de flamenco não deixa de recordar ao espectador de hoje a dançarina indiana.


La Argentinita



















































     




   
            

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