domingo, 27 de março de 2011

Vocabulário de estrutura de Baile Flamenco

1 - SALIDA - • Salida: como seu própio nome indica é quando o bailaor entra no palco, normalmente andando, segundo o tempo musical, geralmente seguida de uma sequência de sapateado forte. Como o nome significa "saída'" podemos pensar que é a saída do baile, o fim do Baile, mas é justamente o contrário, é o começo, é sair para o baile.


2 - FALSETA -• Aqui música e baile se adaptam para integrar uma proposta conjunta. É justamente o contrário do "compás". Bailes como a seguiriya e a caña por exemplo, têm uma falseta típica que se baila sempre de uma maneira muito parecida.. Eles são geralmente melodias curtas executadas pelo guitarrista  entre os versos cantados, ou para acompanhar os dançarinos. Em um solo de guitarra, pode-se usar falsetas conhecidas ou improvisar falsetas novas que são colocados juntas para formar a peça inteira. Uma falseta pode ser mais ou menos comparada a  um improviso de jazz ou blues.


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3. Llamada (chamada)   Sequência característica que se utiliza, como seu nome indica, para chamar a atencao do guitarrista, avisando que depois da finalizacao desta, terá lugar un novo passo de características diferentes às que se vinha interpretando até o momento.Faz-se uma llamada antes de uma nova frase musical, para a entrada do cante, para o início de uma escovilla, para a saída de um bailarino de cena, enfim, para mudanças na estrutura do baile.


4 - Letra: É a parte cantada do baile. Durante a letra o bailaor faz marcajes,  braceos, paseos , até pode bater o pés, mas nunca  uma sequência de sapateado extensa, para não abafar o cante, se o fizer o baile fica confuso, não se escuta nem o cantaor, nem o sapateado.


5 - Escovilla: Série de sapateados executados num determinado momento do baile onde todo o interesse está voltado para o som rítmico produzido pelos pés. A escovilla começa com composições mais fáceis e continua com outros mais complicados, ao mesmo tempo que aumenta progressivamente a velocidade.





6 -. Marcaje: Movimentos de marcação dos passos executados pelo bailarino durante a letra da música.


7 -. Palo Seco: Quando a escovilla ou o zapateo é feito sem acompanhamento de cajón ou palmas. O palo seco reproduz o som dos pés sem nenhuma interferência de instrumentos musicais.


8 - Silencio: Utiliza-se somente nas alegrías. Nele a guitarra ralentiza( torna mais lento) o tempo e passa ao modo menor, e segue mantendo a harmonia I-IV-V típica das alegrías. O bailaor realizará sobretudo movimentos de cintura para cima, já que o uso dos tacones nesta parte do baile nao tem sentido algum. 


9 -. Arremate: Fechamento de um baile, de um sapateado ou de uma movimentação de corpo.
Arremate con cierre - Encerramento de uma composição. Pode ser executado como cierre final. Arremate continuo - quando há somente a mudança de seqüência na estrutura do baile.

10- Desplante: Série de golpes fortes dos pés executados com precisão e definição. O desplante acaba com a serenidade de um punteado ou com o virtuosismo de um zapateo ou escovilla. Pode ser considerado um arremate final.

11 - Subida de ritmo: os pés incrementam a velocidade de execucao progressivamente até alcancar uma velocidade máxima na que se costuma manter-se uns instantes, terminando logo com um "cierre" ou "remate".

quarta-feira, 16 de março de 2011

Estrutura de baile Flamenco

      O baile flamenco tem uma estrutura a ser respeitada e que permite a composição de coreografias e até de improvisos. Aliás para improvisar é preciso conhecer muito bem estas estruturas, como fazer uma chamada para  chamar o cante, por exemplo.Há uma integração entre bailaor e músicos, é um trabalho conjunto.
       Hoje em dia os grandes artistas buscam a personalização das estruturas do baile, montando coreografias de grande dificuldade e que necessitam bons músicos e grandes ensaios. As estruturas tradicionais por sorte ainda se mantêm em artistas de menor projeção, academias...já que apresentam uma menor dificuldade.
      Tenhamos em conta que conhecer as estruturas tradicionais facilita muito o trabalho para os professores que ensinam a seus bailaores e para os guitarristas que acompanham nestes lugares. Também é assim para aqueles bailaores que começam a subir aos palcos.
      Mediante todos estes elementos é possível construir um baile em que o bailaor se faça entender e seja entendido pelos demais. No caso do baile tradicional, o entendimento entre música e baile sempre foi mais fácil, posto que este último comumente se rege por estruturas e elementos clássicos, entendidos por todos. Era muito simples não só responder aos movimentos do baile, senão memorizar a estrutura, que em muitos casos são muito parecidas entre si.
       Normalmente sempre é primeiro o baile e depois a música, ou seja, o bailaor chega com sua estrutura formada, inclusive com a idéia de como quer que seja a falseta ou o cante e trata de comunicar ao resto dos músicos qual é sua idéia da música. Porque a maioria pensa previamente no que tem que fazer a guitarra, cante, percussão, etc. Mas em outras ocasiões se dá o processo inverso, o guitarrista propõe uma falseta que lhe resulta interessante, seja porque é de composição própria ou porque a veja adequada para o baile em questão. Neste caso o bailaor pode fazer duas coisas: adaptar a coreografia existente que já tem ou criar uma nova que feche com essa música. No primeiro caso, começará por estudar a música para ver se encaixa em compassos, rítmica...com sua idéia prévia. Quando necessite, irá cortando passos ou introduzindo outros buscando a máxima conexão com a música. Do contrário, teríamos a sensação de que a música vai por um lado e o baile por outro, desgraça bastante comum. Mas nem sempre este "casamento" dá certo, há bailaores que não querem mudar sua coreografia de jeito nenhum e não aceitam sugestão dos músicos e há músicos que não aceitam as sugestões dos bailaores, é preciso bom senso, humildade, saber ceder e reconhecer uma boa idéia e deixar as vaidades de lado para que esta composição dê certo, com harmonia.Uma coreografia flamenca é uma composição conjunta, quanto melhor for a relação entre bailaor e músicos, mais o trabalho tem a chance de dar certo. No processo de criação, se tem em conta todas as características da música que se vai bailar, fazendo ênfase nos cortes, tão importante, como sabemos, no flamenco, já que dão forma e estrutura.       
     Na montagem da coreografia , uma forma comum da comunicação baile-guitarra é a onomatopéia, isso é, a emissão de sons pela boca que imitam o ritmo dos pés ou da guitarra, segundo seja o que quer comunicar. Seqüências do tipo “tico tico tico pa pa paum” podem servir para representar um passo determinado ou a idéia que o bailaor tem na cabeça. Os percussionistas utilizam uma linguagem parecida. E é precisamente aqui onde radica o problema do entendimento, da falta de uma linguagem verbal capaz de comunicar de uma maneira mais ou menos exata a idéia que se tem.
     Um dos problemas que encontramos comumente na montagem de novos bailes é a memorização por parte do guitarrista e cantaor da coreografia que se está trabalhando. Ante um emaranhado de passos muito parecidos, os acompanhantes tratam de seguir a contagem do compasso, tentando adaptar-se à rítmica do bailaor com os rasgueos/percussões. Em muitas ocasiões, a única referência é a contagem do compasso que esses músicos realizam no seu interior enquanto se sucede toda a seqüência do bailaor. Mas de uma coisa todos têm certeza: que devem esperar uma chamada ou um cierre, ou seja, algo que lhes indique uma mudança de seção. Isso que parece muito simples não o é, em absoluto, já que é necessária uma ampla experiência para conhecer um amplo número desses elementos e ter recursos suficientes para responder frente a eles. Além disso, às vezes o baile faz 2 ou 3 llamadas e se faz difícil saber quando vem o desplante final, qual destas é a “autêntica”. Mas deverão prestar muita atenção porque só estes elementos podem indicar-lhes em que parte do baile estão e como e quando devem responder. Outra circunstância muito comum que se dá na montagem dos bailes é a improvisação. Todos sabem que o flamenco tem um forte caráter improvisatório. Muitos bailaores improvisam no meio de sua coreografia, por muito estudada que esteja, se bem que são em sua maioria improvisação geralmente muito curtas. Não é o caso da grande parte dos artistas de segundo nível, sobretudo daqueles que realizam coreografias segundo as estruturas clássicas.


    Como e quando têm lugar estas improvisações? De entrada podemos dizer que como improvisações que são, não se sabe quando vão ter lugar, mas se aprofundamos um pouco na questão analisando alguns bailes, seu processo criativo e sua colocação no palco, podemos concluir que há alguns momentos onde resulta mais fácil ou onde é mais comum a improvisação. E esses lugares são sobretudo os sapateados e escobillas: se alargam, se encurtam, se introduz um passo novo que o bailaor lembra nesse momento...
    Tudo isto de forma natural sem que o púbico note nada, em ocasiões inclusive nem os músicos que o acompanham, já que o faz de maneira que não afete à estrutura do baile, evitando os desplantes, cortes...Nestes momentos os acompanhantes devem alcançar um grau de concentração muito alto para responder o melhor possível à execução do bailaor.

Saber improvisar no flamenco não é tarefa fácil, o artista deverá ter os suficientes recursos assim como a maturidade musical e segurança necessária para seguir o compasso em todo o momento.
    Outro dos problemas habituais no baile é a perda do tempo. Quando as complicações rítmicas do baile fazem que seja difícil seguir inclusive o pulso, pode acontecer que um pequeno despiste faça com que o bailaor ou os acompanhantes estejam em um tempo e o outro em outro tempo anterior ou posterior. Um dos lugares onde mais fácil resulta perder o tempo é nas subidas. Em dita parte, o bailaor marcará com seus pés a velocidade a que quer começar a subida, permanecendo assim um ou vários compassos nos quais os músicos adquirem a noção dessa velocidade. Seguidamente começará a aumentar a velocidade de forma mais ou menos rápida, de maneira que entre 1 ou 4 compassos terá alcançado a velocidade máxima. A maioria das vezes é suficiente 1 ou 2 compassos para chegar a esse ponto e mantê-lo durante mais tempo.
Neste momento podem dar-se 3 circunstâncias entre os músicos e o bailaor. Se estes não notam que a subida começou, seguirão com o tempo inicial, criando-se portanto um efeito de descompassamento que deverá ser solucionado o quanto antes possível. Geralmente é o bailaor quem trata de resolver o problema já que é o que melhor conhece seu baile e pode dizer, por exemplo, se quer baixar para tentar voltar a subir. Um músico acompanhante nunca decidirá por si mesmo fazer a subida, se isto ocorresse, as conseqüências poderiam ser muito ruins, como que o bailaor não possa subir a tempo e o resultado seja um choque: músicos em uma parte do compás e bailaor em outra.
Se dão-se conta mas não sobem o suficiente, o bailaor terá a sensação agoniante de que “lhe jogam pra baixo”, impedindo-lhe subir tudo o que necessita.
Outro tanto ocorre quando os músicos aumentam a velocidade além do que o bailaor necessita, submetendo este a um grande esforço físico e mental. Físico pela rapidez com a que se alcança o topo da velocidade, que às vezes pode superar o limite que o bailaor estabeleceu para realizar uma execução regular nos taconeos. E mental para não perder a concentração no compás que leva a guitarra.
       O guitarrista que perde só um instante a atenção poderá chocar-se em qualquer momento. O choque é um dos elementos que pairam sempre perto de qualquer baile. Pode acontecer com o bailaor ou com o resto dos músicos. Consiste em que algum dos intérpretes se adianta ou atrasa um ou mais tempos. O resultado é evidentemente desastroso posto que se deslocam todos os acentos e onde há um, não se executa e onde não há, se acentua ou inclusive podemos encontrar um corte ou um desplante fora de lugar. Diante dessa situação, não resta mais que escutar os outros e buscar um ponto de encontro. Os passos sem acentuação como as marcajes ou caminhar são um dos recursos mais fáceis para resolver este tipo de situações. Um defeito muito habitual, dado especialmente em bailaores sem experiência é o que se conhece como “pisar a letra”. Quando o cantaor começa a cantar, este comumente faz pausas mais ou menos grandes, bem marcadas com o bailaor, ou que saem de forma natural seguindo o estilo de dito cante. Nesses espaços, o bailaor pode realizar chamadas, cierres, desplantes ou sapateados. O problema é quando o bailaor não respeita (a menos que o faça de forma intencionada para criar um efeito novo) a letra do cante. Nesse momento se dá um “conflito de poderes” entre o cante e o baile, já que os dois querem ocupar o protagonismo, desaparecendo o lógico diálogo cante-baile-guitarra que se produz de forma harmoniosa sempre no flamenco. "



Cia Fuego Andaluz e Nilo
Lavina, toque e cante








Blog: juerguitaflamenca.blogspot.com

sábado, 12 de março de 2011

PALO FLAMENCOS - TANGOS

Tangos - Cante, toque e baile







   Cante chico, palo vivo, alegre e festeiro, sendo o baile interpretado com movimentos graciosos e sensuais. Seu compasso é de 4 tempos, podendo ser contado por oito. Marca-se o 1º tempo no pé ou "mudo".


1234 1234 1234 1234 ou  ...234  ...234   ...234

   A primeira idéia que vem á baila quando escutamos ou ouvimos a palavra tango é atribuir a esse palo flamenco uma irmandade com o seu correspondente argentino. Essa é uma das teorias que tenta mostrar a sua origem. Porém, a corrente mais próxima da realidade é aquela na qual se filia o flamencólogo Julian Pemartin, que define o tango como um cante cigano, festeiro e oriundo da região de los Puertos, na Província de Cádiz, cujo nome provém de antigos bailes cantados desde a antiguidade na região e que, aflamencados, deu origem ao atual tango flamenco. Sua aparição em relação aos outros cantes foi bastante tardia. Tal fato não lhe tira o destacado lugar que ocupa entre os cantes básicos, constituindo-se um de seus pilares. Sua etimologia foi amplamente debatida e sua aparição histórica bastante tardia em relação a outros cantes e a sua importância. a palavra tango aparece pela primeira vez em um curioso manuscrito como sinônimo de festa e reunião em bailes. Parece que em sua origem se tratava de um cante bailável, pois sempre foram cantados para esse fim em Cádiz e Sevillha. Como berço geográfico do tango flamenco vem sendo apontada as cidades de Cádiz, Sevilha e Málaga.
     Os tangos são protótipo de cante festeiro e, ao mesmo tempo, bailáveis. De origem cigana, suas coplas são romanceadas e, como as bulerias, siguiryas e soleares, a modalidade é mais profícua e variada. Tem ritmo próprio e suas formas melódicas são inesgotáveis. Como baile, esse palo é extremamente fascinante, com fisionomia transcendente de uma dança ritual. Sua plástica, seu marcado sensualismo, a expressiva e ondulada atividades do movimento dos braços e quadris no caso da mulher o aproximam, sem sombra de dúvida, da profunda e misteriosa dança oriental.
      Dos tangos derivaram-se, em direções contrárias, dois cantes: o tanguillo, que tomou o caminho de cante mais ligeiro ( alguns o consideram hoje mais uma manifestação folclórica) e os tientos que remontando à linha cigana se torna o mais flamenco dos cantes de los puertos, como veremos a seu tempo.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Estudos para uma bailaora andaluza e os elementos do Flamenco

Por Isadora  Eckardt da Silva


    A arte Flamenca, tal qual a conhecemos nos nosso dias, é resultante do processo evolutivo de uma manifestação sócio cultural que se inicia na região de Andaluzia, sul da Espanha, no final do século XVIII. Suas bases musicais, rítmicas e poéticas assentan-se na riqueza do folclore andaluz, resultado da mescla de povos e culturas que povoaram esta região ao longo da história, tais como: ciganos, árabes e judeus.
    A origem dos diferentes estilos (chamados Palos) do Flamenco situa-se, principalmente nas cidades de Sevilha, Cádiz e Granada. Outras províncias de Andaluzia, bem como outras regiões da Espanha, como Extremadura e Múrcia, também contribuíram com diferentes estilos e com suas ramificações.
   Os Palos fundamentais do Flamenco são as Soleares, as Siguiriyas, os Tangos e os Fandangos, dos quais derivam os demais ritmos.
   Os primeiros relatos de manifestações de uma dança ancestral à Flamenca foram feitos por intelectuais estrangeiros, que visitavam a Espanha e que, nos bairros periféricos, não frequentados pelos espanhóis abastados, descobriram as primeiras tabernas onde estes artistas primitivos se apresentavam. Nessa época, no final do séc. XVIII, era feita uma mistura de bailes populares, flamencos e escola bolera(bailes com castanholas). Pouco a pouco o estilo flamenco foi se impondo e incorporando elementos de outras danças, até formar suas próprias características.
    Profissionalmente, a dança Flamenca se consolidou nas festas organizadas pelas "Academias de Baile de Sevillanas" e em alguns locais típicos como as "Cuevas del Sacromonte", em Granada ( cidade habitada principalmente por ciganos). Mas é nos Cafés Cantantes, surgidos no final do século XUX, que a dança Flamenca, bem como a forma de tocar e cantar Flamenco, adquire sua personalidade definitiva.
    A partir de então a dança flamenca evolui técnica e cenicamente, atingindo "status" de esola de dança, hoje apreciada e praticada nos mais diferentes países, tais como: Japão, Inglaterra, Bélgica, frança , Estados Unidos, Alemanha, Brasil e praticamente toda a América Latina.
    O poeta pernambucano João Cabral de melo Neto trabalhou na embaixada do brasil na espanha, tendo assim desenvolvido uma grande paixão pelo Flamenco e suas bailaoras. Devido a essa paixão, João cabral escreveu um poema dividido em seis partes sobre estas bailarinas, o qual explicarei no presente trabalho.
    O poeta faz claras refer~encias a elementos do Flamenco ao longo do poema, denotando que não era um mero admirador desta dança, ao contrário, ele entendia de fato como ela funcionava e quais elementos a compunham.
    Na primeira parte do poema, João cabral começa fazendo referência a um dos palos flamencos, a siguiriya. este palo é sempre usado em músicas tristes, com letras chorosas e melancólicas. A origem destes palos tristes está no fato de que os ciganos sempre foram um povo que sofreu muitas perseguições e era sempre excluído da sociedade, portanto, eles cantavam e dançavam tais músicas tristes para expressar a sua dor perante à vida. Assim, esses ritmos tristes exigem, quando dançado, que a bailaora se mantenha sempre séria, pois não se comportaria com esta dança uma expressão sorridente.
     Nos versos em que fala "carne em agonia", "só nervos" e "carne toda em carne viva", o poeta está se referindo e "el duende". De acordo com o folclore da dança flamenca, el duende é uma espécia de entidade, de espírito, que toma conta da bailarina na hora de dançar. É como se a bailarina incorporasse este espírito, pois o Flamenco não é dançado com frieza,  é preciso haver sentimento, é quase como se fosse algo teatral. Portanto os versos fazem referência a esse transe no qual a bailarina entra na hora de dançar.
     Nos versos que dizem que a bailaora é capaz de acender-se estando fria" e "incendiar-se com nada", o poeta menciona sentimentos trazidos por "el duende", pois se o Flamenco não pode ser dançado friamente, o oposto disso é o calor, o fogo que uma bailarina deve trazer consigo.
     Na segunda parte do poema, João Cabral fala na "parte que domina" e na "parte que se rebela", ou seja, que nesta dança há alguém que manda e alguém que obedece. Aqui ele faz referência ao fato de que, no Flamenco, dependendo da ocasião, a baolaora segue a música ou a música segue a bailarina.
     Quando mais de uma bailaora está dançando, todas devem seguir o mesmo ritmo para não haver disparidade na coreografia. Neste caso então, quem dita o ritmo é o guitarrista, que deve ser seguido pelas bailaoras. Daí o poeta compará-la a uma égua, pois aqui é ela que conduz a música e a dança, assim como é a égua que leva a cavaleira.
      Na terceira parte do poema, João Cabral faz referência ao caráter percurssivo da dança flamenca. Afinal, esta baseia todas as suas coreografias nos ritmos dos diferentes palos, cada um com sua própria contagem de tempos e compassos.
      Quando o poeta diz que a bailaora "a cabeça, atenta, inclina,/como se buscasse ouvir/ alguma voz indistinta", está fazendo alusão ao fato de que a bailaora precisa primeiro ouvir um ou dois compassos da música para captar a velocidade e a contagem de seu ritmo, para só depois começar a dançar, pois o compasso da bailaora e o dos músicos devem estar sempre em sintonia. o poeta compara esta percurssão e esta sintonia com a telegrafia e com o código morse.
       Por ser a telegrafia uma espécie de comunicação, o poeta faz alusão a um diálogo no qual a bailaora participa quando menciona "a mensagem transmitida", "aquelas respostas/que suas pernas pronunciam" e "do outro lado da linha", só para citar alguns exemplos. e de fato, há um diálogo no Flamenco entre a bailaora e o músico que se compõe de alguns tipos de mensagens, tais como: a chamada, a marcação da letra e os jaleos.
       A "chamada" é um sapateado que a bailaora faz, normalmente mais ruidoso, para visar o guitarrista de alguma coisa. Ela Pode tanto querer avisar que vai começar a dançar, como que vai para de fazê-lo ou ainda que fará apenas uma pausa. Na hora em que estas chamadas são realizadas, pode haver música, mas nunca há canto, para que este não "faça barulho" atrapalhe o sapateado.
       A "marcação da letra" é justamente o oposto da chamada, ou seja, a bailaora apenas marca a música, mas não sapateia porque há canto. A bailaora pára o sa´pateado para avisar aos músicos que, neste momento, eles podem cantar, e ela fará silêncio.
        Os jaleos são estímulos gritados para animar a dança. Eles podem tanto ser da parte da bailaora, como da parte dos músicos ou das pessoas da platéia. São estas "conversas" que o poeta faz referência nesta parte do poema.
        Na quarta parte do poema, João cabral compara o jeito que um camponês trata a terra com o jeito que a bailaora trata o tablado, dizendo que ambos tencionam amaciar o solo. Aqui o poeta está fazendo referência ao estilo do sapateado da dança flamenca. No sapateado americano, os bailarinos apenas tocam de leve o tablado, fazendo um som mais agudo e baixo. Já no Flamenco a bailaora precisa bater o pé com força no tablado, produzindo assim um som grave e na maioria das vezes alto. Há clara referência à força e à energia deste sapateado nos seguintes versos: "Ela não pisa na terra/como quem a propicia/para que lhe seja leve". 'Ela a trata com a dura/ e muscular energia".
         Nesta parte do poema, fala-se que as bailaoras normalmente possuem pernas muito fortes, dada a força empregada no seu sapateado. João Cabral descreve essas pernas como "pelos troncos dessas pernas/fortes, terrenas, maciças".
         Na quinta parte do poema, João cabral diz que, em alguns momentos, a bailaora pode ser compara a uma estátua, o que pode ser notado nos seguintes versos " com a mesma posição que talhada em pedra:/um momento está estátua".
         O poeta alude aos "cortes", que tanto podem estar no meio da coreografia, como podem ser o movimento derradeiro, aquele que encerra a coreografia. O corte na música normalmente se trata de uma pausa, e a bailaora segue essa pausa sonora com uma parada em seus movimentos.A pausa da bailaora pode ser feita com diversos "movimentos de corte", como uma virada de cabeça, um movimento de braços ou um golpe de sapateado. E durante estas pausas,a bailaora fica como uma estátua, não mexe nem os olhos, respira de leve, tudo para não se mexer mesmo. Nestes momentos, a bailaora se parece com uma estátua, imóvel e impassível, exatamente como nos versos. o contrário dos movimentos cortados, então, são os movimentos continuos.
         Na última parte do poema, João cabral faz referência às roupas usadas pelas bailaoras na dança flamenca, como diz no seguinte verso: "saias folhadas e crespas". Tradicionalmente, o Flamenco é dançado com vestidos ou saias com muito pano. Isto significa saias muito rodadas e com muitos babados que também são usados na dança para "dançarem junto com a bailaora", ao girarem junto com ela em seus corrupios. a bailaora também pega em sua saia para balançá-la e fazê-la dançar com ela.
         O poeta também destaca os movimentos de braços e mãos feitos pela bailaora nos seguintes versos: "mas também desta outra flora/a que seus braços dão vida". Ao comparar os braços com a flora, ele está fazendo uma alusão aos braços da bailaora que podem ficar compridos como galhos longos, ou curvados como galhos torcidos, dependendo da coreofrafia e do estilo da bailaora. O braço esticado é inspirado na postura do balé clássico, enquanto o braço curvado tem sempre sua curva feita nos cotovelo e foi herdado das danças mais tristes dos ciganos, pois a bailaora fica mais "fechada" com esta postura.
         Já os movimentos das mãos se parecem com flores, tanto é que se diz que as mãos de uma bailaora de Flamenco devem ter "floreios". Uma mão com floreios que dizer que a bailaora quebra bastante o pulso para girar a mão e separa bem os dedos ao fazer estes giros, fazendo assim as mãos se parecerem flores que desabracham. Daí o poeta fazer menção à flora.


                                Segue abaixo o poema:




 ESTUDOS PARA UMA BAILAORA ANDALUZA - JOÃO CABRAL DE MELO NETO


Artista: Renata Domagalska
Artista: Renata Domagalska
Dir-se-ia, quando aparece
dançando por siguiriyas,                                  
que com a imagem do fogo
inteira se identifica.

Todos os gestos do fogo
que então possui dir-se-ia:                              
gestos das folhas do fogo,
de seu cabelo, sua língua;
gestos do corpo do fogo,
de sua carne em agonia,
carne de fogo, só nervos,
carne toda em carne viva.

Então, o caráter do fogo
nela também se adivinha:
mesmo gosto dos extremos,
de natureza faminta,
gosto de chegar ao fim
do que dele se aproxima,
gosto de chegar-se ao fim,
de atingir a própria cinza.

Porém a imagem do fogo
é num ponto desmentida:
que o fogo não é capaz                                          
como ela é, nas siguiriyas,
de arrancar-se de si mesmo
numa primeira faísca,
nessa que, quando ela quer,
vem e acende-a fibra a fibra,
que somente ela é capaz
de acender-se estando fria,
de incendiar-se com nada,
de incendiar-se sozinha.

Subida ao dorso da dança
(vai carregada ou a carrega?)
é impossível se dizer
se é a cavaleira ou a égua.
Ela tem na sua dança
toda a energia retesa
e todo o nervo de quando
algum cavalo se encrespa.

Isto é: tanto a tensão
de quem vai montado em sela,
de quem monta um animal
e só a custo o debela,
como a tensão do animal
dominado sob a rédea,
que ressente ser mandado
e obedecendo protesta.

Artista: Renata Domagalska

                                                                                                                
Então, como declarar
se ela é égua ou cavaleira:
há uma tal conformidade
entre o que é animal e é ela,
entre a parte que domina
e a parte que se rebela,
entre o que nela cavalga
e o que é cavalgado nela,
que o melhor será dizer
de ambas, cavaleira e égua,
que são de uma mesma coisa
e que um só nervo as inerva,
e que é impossível traçar
nenhuma linha fronteira
entre ela e a montaria:
ela é a égua e a cavaleira.

Quando está taconeando
a cabeça, atenta, inclina,
como se buscasse ouvir
alguma voz indistinta.
Artista: Renata Domagalska

Há nessa atenção curvada
muito de telegrafista,
atento para não perder
a mensagem transmitida.

Mas o que faz duvidar
possa ser telegrafia
aquelas respostas que
suas pernas pronunciam
é que a mensagem de quem
lá do outro lado da linha
ela responde tão séria
nos passa despercebida.

Mas depois já não há dúvida:
é mesmo telegrafia:
mesmo que não se perceba
a mensagem recebida,
se vem de um ponto no fundo
do tablado ou de sua vida,
se a linguagem do diálogo
é em código ou ostensiva,
já não cabe duvidar:
deve ser telegrafia:
basta escutar a dicção
tão morse e tão desflorida,
linear, numa só corda,
em ponto e traço, concisa,
a dicção em preto e branco
Artista: Renata Domagalska

Ela não pisa na terra
como quem a propicia
para que lhe seja leve
quando se enterre, num dia.

Ela a trata com a dura
e muscular energia
do camponês que cavando
sabe que a terra amacia.

Do camponês de quem tem
sotaque andaluz caipira
e o tornozelo robusto
que mais se planta que pisa.

Assim, em vez dessa ave
assexuada e mofina,
coisa a que parece sempre
aspirar a bailarina,
esta se quer uma árvore
firme na terra, nativa,
que não quer negar a terra
nem, como ave, fugi-la.

Árvore que estima a terra
de que se sabe família
e por isso trata a terra
com tanta dureza íntima.

Mais: que ao se saber da terra
não só na terra se afinca
pelos troncos dessas pernas
fortes, terrenas, maciças,
mas se orgulha de ser terra
e dela se reafirma,
batendo-a enquanto dança,
para vencer quem duvida.

Sua dança sempre acaba
igual como começa,
tal esses livros de iguais
coberta e contra-coberta:
com a mesma posição
como que talhada em pedra:
um momento está estátua,
desafiante, à espera.
Artista: Renata Domagalska

Mas se essas duas estátuas
mesma atitude observam,
aquilo que desafiam
parece coisas diversas.

A primeira das estátuas
que ela é, quando começa,
parece desafiar
alguma presença interna
que no fundo dela própria,
fluindo, informe e sem regra,
por sua vez a desafia
a ver quem é que a modela.

Enquanto a estátua final,
por igual que ela pareça,
que ela é, quando um estilo
já impôs à íntima presa,
parece mais desafio
a quem está na assistência,
como para indagar quem
a mesma façanha tenta.

O livro de sua dança
capas iguais o encerram:
com a figura desafiante
de suas estátuas acesas.

Na sua dança se assiste
como ao processo da espiga:
verde, envolvida de palha;
madura, quase despida.

Parece que sua dança
ao ser dançada, à medida
que avança, a vai despojando
da folhagem que a vestia.
Artista: Renata Domagalska
                                                                   
Não só da vegetação       
de que ela dança vestida
(saias folhudas e crespas
do que no Brasil é chita)
mas também dessa outra flora
a que seus braços dão vida,
densa floresta de gestos
a que dão vida a agonia.

Na verdade, embora tudo
aquilo que ela leva em cima,
embora, de fato, sempre,
continui nela a vesti-la,
parece que vai perdendo
a opacidade que tinha
e, como a palha que seca,
vai aos poucos entreabrindo-a.

Ou então é que essa folhagem
vai ficando impercebida:
porque terminada a dança
embora a roupa persista,
a imagem que a memória
conservará em sua vista
é a espiga, nua e espigada,
rompente e esbelta, em espiga.